IARA BIDERMAN
Colaboração para a Folha de S.Paulo
Uma pesquisa recente adverte: "Aposentar-se pode ser prejudicial à saúde". Publicado em março no American Journal of Epidemiology, o levantamento, da Universidade de Atenas (Grécia), acompanhou cerca de 17 mil homens e mulheres por quase oito anos. Os participantes não tinham doenças prévias, como as cardiovasculares, diabetes ou câncer. No fim do estudo, foram feitos ajustes estatísticos para que condições como tabagismo, obesidade e sedentarismo não influenciassem os resultados. Em números: os aposentados apresentaram 51% mais risco de morte em relação aos que continuaram trabalhando.
O risco cresce em proporção inversa à idade do aposentado: quanto mais jovem, maior chance de morte. Entre os participantes que tinham menos de 55 anos, por exemplo, 9% dos aposentados morreram no decorrer do estudo, contra apenas 1% de morte entre os não--aposentados. |
"Concluímos que a aposentadoria precoce pode ser um fator de risco de mortalidade em geral e, particularmente, de morte decorrente de doenças cardiovasculares em pessoas aparentemente saudáveis", disse à Folha por e-mail a coordenadora da pesquisa, Christina Bamia, do departamento de higiene e epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Atenas.
Para Bamia, os dados contradizem a percepção generalizada de que a aposentadoria levaria a uma melhor qualidade de vida e ao aumento da longevidade. No entanto, ela diz não ter dados para explicar os motivos que levam às doenças e à morte."Com os dados disponíveis no estudo, não podemos indicar os mecanismos que estão por trás dessa associação, mas suspeitamos que a aposentadoria pode envolver a deterioração do status econômico, o abandono de hábitos saudáveis ou a adoção de hábitos prejudiciais à saúde, além de todas as conseqüências psicossociais que ela envolve."
Os fatores psicossociais são considerados decisivos pelo cardiologista Roque Savioli, diretor da Unidade de Saúde Suplementar do InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo). "Estudos mostram a importância desses fatores no desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Em minha experiência clínica, percebo como é comum o aposentado experimentar uma falta de objetivos e de sentido na vida, que leva à depressão. Assim, passa a não se cuidar, abandona as atividades físicas, enfim, contribui ainda mais para o surgimento da doença", diz.
Embora o estresse profissional também seja um fator de risco para a saúde do coração, Savioli acredita que, ao se aposentar, a pessoa pode ser submetida a outros tipos de estresse, não menos importantes do que os vividos no trabalho."Entre eles, o estresse marital. Quanto mais tempo a pessoa fica ociosa, maior a probabilidade de surgirem conflitos com os familiares", afirma o cardiologista.
Ficar ocioso e sem perspectiva é o problema. "A aposentadoria em si não mata, mas sim a forma como ela é encarada", diz Lucia França, professora do mestrado em psicologia da Universidade Salgado de Oliveira (no Rio de Janeiro) e autora de "O Desafio da Aposentadoria" (ed. Rocco).
Ela diz que se aposentar bem ou mal é algo relacionado a uma série de atitudes tomadas durante toda a vida profissional, e não apenas na hora de encerrá-la. "Se o profissional é envolvido demais com a organização onde trabalha, deixar o emprego pode gerar depressão e doenças", aponta. Outras atitudes importantes são equilibrar a vida profissional com a pessoal e diversificar interesses --quem faz isso tem mais chance de encontrar atividades que tragam realização ao deixar o emprego formal.
Valor social
Um aspecto que nem sempre é percebido, mas que, para França, pode estar na origem do estresse nas relações familiares, é a percepção de perda de status, do valor social que a pessoa tinha vinculado à sua ocupação profissional. Em contrapartida, há pessoas que encontram, na aposentadoria, tempo para se dedicar a atividades em que a valorização social adquire um sentido muito mais amplo.
Trabalhar para ajudar outras pessoas também traz benefícios pessoais --entre eles, manter a saúde, a disposição física e a mente ativa.
A professa Patrícia Raymundo, 55, trabalhou por 25 anos na rede municipal de ensino de São Paulo. Aos 44 anos, aposentou-se. "Havia acabado meu tempo. Saí com muita dor no coração", conta. Por um lado, ao parar de trabalhar, ela conseguiu mais tempo para se dedicar à mãe doente. Mesmo assim, diz que sentia muita falta da escola, das crianças e do convívio profissional e que "ficava às vezes melancólica". Quando uma amiga falou com Patrícia sobre a ONG Viva e Deixe Viver, que prepara e leva voluntários para contar histórias para crianças hospitalizadas, não teve dúvidas e, após quase quatro anos inativa profissionalmente, pegou a bagagem que havia acumulado como educadora e fez o curso que a ONG promove para preparar seus voluntários.
Hoje, ela diz que não se considera aposentada. "Minha semana é rica, cheia de possibilidades. Tenho sempre uma história nova para contar. Isso, sem dúvida, contribui para a minha boa saúde", afirma.
Com o trabalho voluntário, surgiram até oportunidades profissionais remuneradas. Hoje, ela é convidada por livrarias e por empresas para contar histórias, seja para o público infantil, seja para o adulto, em programas corporativos de treinamento de funcionários.
Além de todos esses benefícios, Patrícia ressalta que, para exercer sua atividade de contadora de histórias voluntária, ela precisa sempre se reciclar, estudar, ler muito. Assim, não há espaço para a mente ociosa.
Redescoberta do prazer
"Uma mente ágil não dá espaço para a tristeza", afirma Ana Alvarez, fonoaudióloga e autora de "Deu Branco" (ed. Record), entre outros livros. Ela acha que a aposentadoria se torna um risco para a saúde quando a pessoa não busca novas experiências e se isola. "Os mecanismos de recompensa do cérebro não são ativados e ele começa a trabalhar desmotivado. Não encontrando mais situações que proporcionem prazer, o cérebro passa a funcionar como em estados de depressão. Aí a pessoa acaba adoecendo", diz.
E, de fato, Márcia Villela, 54, adoeceu. Aos 18 anos, começou a trabalhar como relações públicas. Aos 46, parou. O primeiro ano ela passou cuidando do marido doente, que acabou morrendo. Mas, depois, não conseguiu retomar suas atividades e "entrou em parafuso", conta. "Tive câncer de mama e de útero e neuralgia do trigêmeo [disfunção do nervo craniano que causa dores intensas]. Por quatro anos, vivia meio na marra, totalmente 'down'."
A sorte de Márcia foi, mesmo que "na marra", ter aceitado o convite de uma amiga para participar de um chá dançante. A dança foi para ela o caminho para redescobrir um sentido na vida. E recuperar o prazer de viver, a auto-estima e a saúde. "Hoje, só tenho dor na sola do pé, de tanto dançar. De resto, a saúde está perfeita", afirma.
Dançando, Márcia --que diz que estava "um monstro de gorda" após quatro anos de inatividade-- perdeu 26 quilos, fez novos amigos e até descobriu uma nova área de trabalho. Prestes a abrir uma espaço para a prática de danças, comemora: "Transformei meu gosto em negócio".
Sem pendurar as chuteiras
"A depressão entre aposentados é alta, atinge entre 10% e 15% deles. [O distúrbio] tem causas orgânicas, químicas, mas fatores psicológicos e ambientais acabam sendo precipitantes e mantenedores dos quadros depressivos", diz João Toniolo Neto, professor de geriatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Embora a aposentadoria possa desencadear esse quadro, Toniolo Neto acha precipitado considerar o fato causa direta de doenças e mortes. "A pessoa pode começar a se isolar, comer mal, tornar-se sedentária, fumar mais, e tudo isso são fatores de risco, mas não é tão simples fazer uma correlação imediata."
O cardiologista José Carlos Pachon, diretor do serviço de arritmias do HCor (Hospital do Coração) de São Paulo, também vê com reservas as conclusões do estudo da Universidade de Atenas. "No estudo, não há informações importantes, como quantas aposentadorias foram compulsórias e quantas foram voluntárias.Esse seria um dado fundamental para avaliar as conseqüências sobre a saúde cardiovascular, já que a aposentadoria compulsória pode representar o início de uma vida 'negativa', ao passo que a voluntária pode representar o fim de muitos problemas e o início de uma fase 'positiva'", diz.
Pachon conta que, para um grupo de pacientes, a recomendação é parar de trabalhar --são, por exemplo, profissionais submetidos a níveis muito altos de estresse. Para outro grupo, diz que recomenda que continuem trabalhando. "São os que entram em depressão quando param. Isso aumenta vários fatores de risco, como hipertensão, diabetes, obesidade abdominal e a chance de desenvolver a síndrome metabólica."
Roberto Joaquim, 65, está no grupo dos que podem (e devem) continuar trabalhando. Para ele, trabalho não é estresse, e sim fonte de prazer. Aposentado da empresa em que trabalhou por quase 38 anos, diz que nunca pensou em "vestir o pijama e pendurar as chuteiras". Deu um jeito de encontrar outra fonte de renda. No início, montou uma loja, mas não era isso o que queria da vida.
Mas não desistiu e, com o tempo, montou sua própria empresa, que produz agulhas especiais, colchetes e ganchos. Um de seus clientes é a empresa em que foi empregado por décadas. Tem boa saúde e, como era de se esperar, ela é atribuída em boa parte ao fato de continuar ativo. "Enquanto você trabalha, tem sonhos. Se deixar de sonhar, pode morrer."
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