segunda-feira, 3 de novembro de 2008
Iluminação Neuronal
Meditação é muito mais que um exercício de relaxamento. Neurocientistas constatam que exercícios mentais regulares modificam nossas células cinzentas - e, portanto, também nosso modo de pensar e sentir.
por Ulrich Kraft
Vermelho, amarelo, verde. Diante das diferentes cores nas imagens de ressonância magnética funcional, Richard Davidson identifica as regiões do cérebro de seu voluntário que apresentam atividade significativa enquanto este tenta conduzir a própria mente ao estado conhecido como "compaixão incondicional". O tubo estreito do barulhento tomógrafo de ressonância magnética está, com certeza, entre os locais mais estranhos nos quais Matthieu Ricard já praticou essa forma de meditação, central na doutrina budista, nos seus mais de 30 anos de experiência.
Para o francês, o papel de cobaia no laboratório de Davidson, na Universidade de Wisconsin, em Madison, é também uma viagem ao passado - a seu passado como cientista. Em 1972, aos 26 anos, Ricard obteve seu doutorado em biologia molecular no renomado Instituto Pasteur, de Paris. Pesquisador iniciante, com futuro promissor pela frente, decidiu-se pela "ciência contemplativa". Viajou, então, para o Himalaia e passou a dedicar a vida ao budismo tibetano. Hoje, é monge do mosteiro Schechen, em Katmandu, escritor, fotógrafo e, na condição de tradutor, integrante do círculo mais próximo ao Dalai Lama. Ricard, no entanto, retornou à "ciência racional" porque Davidson queria saber que vestígios a meditação deixa no cérebro.
Sem o Dalai Lama, é provável que a insólita colaboração entre o neuropsicólogo e o monge jamais tivesse acontecido. Há cinco anos, ao lado de outros pesquisadores, Davidson visitou o chefe espiritual do budismo tibetano em Dharmsala, local de seu exílio na Índia. Lá, discutiram animadamente as descobertas neurocientíficas mais recentes e, em particular, como surgem as emoções negativas no cérebro. Raiva, irritação, ódio, inveja, ciúme - para muitos budistas praticantes, essas são palavras desconhecidas. Eles enfrentam com serenidade e satisfação até mesmo o lado ruim da vida. "A meta suprema da meditação consiste em cultivar as qualidades humanas positivas. Então, vimos isso como algo que precisaríamos investigar com o auxílio das ferramentas modernas da ciência", conta Davidson.
Ele foi pioneiro nessa área, mas nomes importantes da pesquisa cerebral seguiram seus passos. Com auxílio da medição das ondas cerebrais e dos procedimentos de diagnóstico por imagem, os cientistas buscam descobrir o que nosso órgão do pensamento faz enquanto mergulhamos em contemplação interior. E os esforços já deram frutos. Os resultados dessa pesquisa high-tech, no entanto, dificilmente surpreenderiam o Dalai Lama, uma vez que não fazem senão comprovar o que os budistas praticantes vêm dizendo há 2.500 anos: a meditação e a disciplina mental conduzem a modificações fundamentais na sede do nosso espírito.
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Ulrich Kraft é médico e jornalista científico.
A vitória do tempo
A depuração das memórias e o uso constante da mente e do corpo são a melhor terapia para combater doenças degenerativas do envelhecimento.
por Sidarta Ribeiro
Poucas coisas são mais deploradas na cultura ocidental quanto o envelhecimento, sinônimo de fragilidade física e decadência mental. De fato, as grandes mudanças corporais que a idade traz são muitas vezes seguidas por doen-ças neurodegenerativas que terminam por conduzir à demência. Uma delas, o mal de Alzheimer, se caracteriza pelo acúmulo cerebral de neurofibrilas e placas compostas por proteínas tau e peptídeos beta-amilóides, respectivamente. A imunização contra peptídeos beta-amilóides é uma das possibilidades de cura para essa doença (Monsonego e Weiner, 2003, Science 302: 834-838).
Mais recentemente, experimentos com camundongos transgênicos demonstraram que os déficits de memória que acompanham a excessiva produção de proteína tau podem ser revertidos pela interrupção da sua síntese (Santacruz et al., 2005, Science 309: 476-481). Boas notícias chegam ainda de estudos sobre os hábitos de gêmeos idosos nos quais apenas um dos indivíduos apresenta demência; os resultados indicam que a intensa atividade intelectual retarda o aparecimento do Alzheimer (Crowe et al., 2003, J. Gerontol. Psychol. Sci. 58B: 249-255), reforçando a idéia de que o uso constante da mente e do corpo é a melhor terapia contra a erosão do tempo.
No entanto, mesmo superadas as patologias, o idoso parece fadado a se deparar com limites inflexíveis. Dizia Luiz Fernando Gouvêa Labouriau (1921-1996), primeiro bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e motor crucial da fisiologia vegetal no Brasil, que com o passar do tempo seu cérebro (poderoso, diga-se de passagem) parecia haver chegado ao limite de sua capacidade de armazenamento: para aprender o nome de um aluno novo, necessitava esquecer o nome científico de alguma planta. A brincadeira, proferida em tom sereno, expressava um leve inconformismo com o horizonte intelectual humano. Por ser um sistema finito, o cérebro possui um máximo de estocagem mnemônica, mesmo naqueles que escolhem exercitá-lo por toda a vida.
Mas se até o idoso mais sadio precisa contentar-se com a substituição de suas representações cognitivas em lugar da expansão mental fácil da juventude, que vantagem, utilidade ou beleza há na velhice? A resposta a esta pergunta importante encontra-se justamente na receptividade que Labouriau dedicava aos estudantes de todas as idades. Diante do dilema, Labouriau optava por se desprender da memória querida - o nome de uma planta - para cuidar da germinação de mais um jovem cientista em potencial. O investimento do mestre era a fundo perdido, mas para ele a chance de sucesso bastava. A troca de nomes sempre valeu a pena, pois fertilizava o mundo.
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Sidarta Ribeiro é Ph.D. em neurobiologia pela Universidade Rockefeller e pesquisador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN). Fez pós-doutorado na Universidade Duke (2000-2005) investigando as bases moleculares e celulares do sono e dos sonhos e o papel de ambos no aprendizado.
domingo, 10 de agosto de 2008
'Meditação aumenta criatividade e reduz estresse', diz instrutor
Especialistas citam os benefícios da técnica milenar.
Psiquiatra utiliza o método em pacientes do Hospital da Lagoa
Carolina Lauriano Especial para o G1, no Rio
Na semana em que o cineasta americano David Lynch está no Brasil para divulgar não um novo filme, mas seu livro, "Em águas profundas - Criatividade e meditação", fica a pergunta: meditar por quê? O que fez o premiado diretor adotar a prática há mais de trinta anos e, agora, escrever um livro sobre o assunto?
Em entrevista realizada no Projac na segunda-feira (4), Lynch disse que gostaria de levar a meditação para todas as escolas brasileiras. Ele acredita que isso acabaria com o estresse entre os jovens e livraria o país da violência.
No Brasil, outras celebridades também utilizam a prática no dia-a-dia. Segundo o professor e presidente da Sociedade Internacional de Meditação Transcendental no Rio de Janeiro, Kléber Tani, já fizeram parte da sua turma figuras como o judoca Flávio Canto, o cantor Moraes Moreira, a apresentadora de TV Cynthia Howlett e a atriz Julia Lemmertz. Tani diz que a lista de benefícios que a técnica proporciona para a mente e o corpo é imensa.
“Os efeitos podem ser observados em três ou quatro dias e são muitos. Em linhas gerais, a meditação aumenta a resistência ao estresse, reduz a pressão sanguínea, diminui a ansiedade, melhora a memória e a concentração, alivia a insônia e aumenta a criatividade - o que é a base para a criação de idéias revolucionárias”, diz o professor.
Num mundo tão apressado, violento e estressado, a meditação – técnica milenar trazida da Índia - deveria constar dos planos de quem deseja começar um novo estilo de vida.
Tani argumenta que qualquer pessoa pode aprender a técnica, desde uma criança com 5 anos até um idoso de 90. Além disso, a técnica pode ser praticada em qualquer lugar - só é preciso sentar e fechar os olhos. Nem mesmo um ambiente silencioso é necessário. E é por isso que a meditação é bem adaptada à rotina histérica da sociedade atual, já que, diz Tani, pode ser praticada em metrô, praça, avião ou no trabalho.
O professor explica que existem vários tipos de meditação. A mais conhecida e a que ele pratica é a meditação transcendental, difundida pelo mundo há mais de 50 anos, pelo guru indiano Maharishi Mahesh Yogi.
Segundo ele, o ideal é meditar duas vezes ao dia, durante 20 minutos. “Graças ao mantra, todas as qualidades da pessoa se expandem e, então, ela é capaz de alcançar um nível mais profundo da vida”, diz Tani. Mantra é instrumento para conduzir o pensamento - no caso da meditação transcendental, uma palavra ou um som que deve ser repetida por quem medita e deve ser mantida em segredo.
Outras técnicas
Professor e pesquisador há mais de 30 anos de temas ligados à meditação, Pedro Tornaghi, que coordenou o VI Congresso de Meditação do Rio de Janeiro nos dias 2 e 3 de agosto na PUC-Rio, não segue uma linha única. Ele ensina desde técnicas respiratórias à terapia dos chakras. Para ele, cada um deve optar pela técnica que combine mais com a sua personalidade.
"A meditação transforma o ser humano como um todo e permite à pessoa entrar em contato com as partes mais profundas da subjetividade. É como um mergulhador que coloca os óculos de mergulho e consegue ver as riquezas do fundo do mar. Ele enxerga coisas que ele nunca imaginou ver", diz Tornaghi.
É como se fosse uma faxina do subconsciente. De acordo com Tornaghi, o sistema nervoso fica mais equilibrado e, por isso, a meditação é importante aliada na cura de doenças.
Outro tipo da técnica é a meditação zen, que tem base nos ensinamentos budistas. O psiquiatra e chefe do Serviço de Saúde Mental do Hospital da Lagoa, Alcio Braz, concorda que a meditação é mais um instrumento para a cura de algumas doenças.
Responsável pelo templo zen do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, o médico conta que a idéia de implementar algumas dessas técnicas de tratamento no Hospital da Lagoa surgiu a partir da constatação da necessidade de se encontrar outras maneiras de ajudar os pacientes, além das medicações e métodos tradicionais.
“Recebo muitos pacientes com câncer, que estão em processo de quimioterapia e, consequentemente, com a parte psicológica muito abalada. Além do remédio, eu também ofereço a meditação, porque o paciente aprende a lidar melhor com a realidade. Além disso, devido ao relaxamento que as técnicas de respiração proporcionam, a meditação acaba aumentando também a imunidade. Definitivamente, o remédio não é 100% da cura.”
O psiquiatra explica que uma melhor aceitação da realidade leva a uma melhor aceitação aos tratamentos tradicionais, aumentando a tolerância aos efeitos colaterais dos medicamentos e a sua eficácia.
Segundo Braz, não é preciso ser budista para meditar, nem sequer conhecer o budismo. O psiquiatra dá o exemplo da história de um paciente que ele tratou há alguns anos e que era evangélico:
“Era um lavrador do interior de Minas, que estava internado há seis meses, aguardando por um transplante de pulmão. Ele aprendeu as técnicas da meditação zen no leito do hospital e, a partir de então, conseguiu aceitar melhor toda a situação, passou a receber visitas – antes nem os filhos ele queria receber – e até criou um sistema para ele ficar mais confortável com os tubos de respiração.”
Braz acredita que o auto-conhecimento através da prática da meditação pode trazer a capacidade de aceitar duras realidades e de cuidar melhor de si mesmo, dos outros e do meio ambiente, tornando o mundo um local menos difícil de viver.