segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A vitória do tempo

Mente e Cérebro

A depuração das memórias e o uso constante da mente e do corpo são a melhor terapia para combater doenças degenerativas do envelhecimento.
por Sidarta Ribeiro

Poucas coisas são mais deploradas na cultura ocidental quanto o envelhecimento, sinônimo de fragilidade física e decadência mental. De fato, as grandes mudanças corporais que a idade traz são muitas vezes seguidas por doen-ças neurodegenerativas que terminam por conduzir à demência. Uma delas, o mal de Alzheimer, se caracteriza pelo acúmulo cerebral de neurofibrilas e placas compostas por proteínas tau e peptídeos beta-amilóides, respectivamente. A imunização contra peptídeos beta-amilóides é uma das possibilidades de cura para essa doença (Monsonego e Weiner, 2003, Science 302: 834-838).

Mais recentemente, experimentos com camundongos transgênicos demonstraram que os déficits de memória que acompanham a excessiva produção de proteína tau podem ser revertidos pela interrupção da sua síntese (Santacruz et al., 2005, Science 309: 476-481). Boas notícias chegam ainda de estudos sobre os hábitos de gêmeos idosos nos quais apenas um dos indivíduos apresenta demência; os resultados indicam que a intensa atividade intelectual retarda o aparecimento do Alzheimer (Crowe et al., 2003, J. Gerontol. Psychol. Sci. 58B: 249-255), reforçando a idéia de que o uso constante da mente e do corpo é a melhor terapia contra a erosão do tempo.

No entanto, mesmo superadas as patologias, o idoso parece fadado a se deparar com limites inflexíveis. Dizia Luiz Fernando Gouvêa Labouriau (1921-1996), primeiro bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e motor crucial da fisiologia vegetal no Brasil, que com o passar do tempo seu cérebro (poderoso, diga-se de passagem) parecia haver chegado ao limite de sua capacidade de armazenamento: para aprender o nome de um aluno novo, necessitava esquecer o nome científico de alguma planta. A brincadeira, proferida em tom sereno, expressava um leve inconformismo com o horizonte intelectual humano. Por ser um sistema finito, o cérebro possui um máximo de estocagem mnemônica, mesmo naqueles que escolhem exercitá-lo por toda a vida.

Mas se até o idoso mais sadio precisa contentar-se com a substituição de suas representações cognitivas em lugar da expansão mental fácil da juventude, que vantagem, utilidade ou beleza há na velhice? A resposta a esta pergunta importante encontra-se justamente na receptividade que Labouriau dedicava aos estudantes de todas as idades. Diante do dilema, Labouriau optava por se desprender da memória querida - o nome de uma planta - para cuidar da germinação de mais um jovem cientista em potencial. O investimento do mestre era a fundo perdido, mas para ele a chance de sucesso bastava. A troca de nomes sempre valeu a pena, pois fertilizava o mundo.

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Sidarta Ribeiro é Ph.D. em neurobiologia pela Universidade Rockefeller e pesquisador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN). Fez pós-doutorado na Universidade Duke (2000-2005) investigando as bases moleculares e celulares do sono e dos sonhos e o papel de ambos no aprendizado.

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